Uma abordagem terapêutica adaptada à estratificação do risco
Artigo de opinião das especialistas em Oncologia médica, Ana Magalhães Ferreira, do IPO do Porto, e Susana Sousa, ULS Tâmega Sousa, membros da Sociedade Portuguesa de Senologia
Na qualidade de oncologistas, acompanhamos muito de perto a realidade de muitas mulheres com diagnóstico de cancro da mama, ouvindo no consultório as suas dúvidas e inquietações. Reconhecendo que o risco de recorrência constitui um tema sensível, o conhecimento informado representa uma valiosa ferramenta para abordar esta possibilidade. No âmbito do Outubro Rosa – mês de prevenção do cancro da mama – colocamos o foco no cancro da mama em estádio precoce e o risco de recidiva.
Os profissionais de saúde que acompanham mulheres com cancro da mama devem ser um apoio fundamental para esclarecer questões e mitigar os seus medos. Através de um conhecimento do subtipo molecular do cancro de cada mulher e fatores clínico-patológicos associados, a Oncologia atual tem respostas adequadas face à estratificação de risco de cada mulher, favorecendo amplamente o prognóstico e a qualidade de vida.
O cancro da mama mantém-se como a doença maligna mais comum em mulheres em Portugal, com cerca de 9.000 novos casos anuais, segundo os dados mais recentes do Global Cancer Observatory (Globocan 2022). Graças à implementação dos programas de rastreio, mais de 85% dos casos são diagnosticados em estadios iniciais, registando-se, nestes, uma taxa de sobrevivência global aos cinco anos superior a 90%. 1
Apesar do prognóstico favorável, existe um risco de recidiva estimado em 10-30% das doentes com cancro da mama precoce. Os principais fatores de risco incluem características clínico-patológicas e moleculares como o tamanho do tumor, invasão ganglionar, grau histológico, o resultado da medição do marcador Ki-67 e subtipo molecular (luminal A/B, HER2+, TNBC) .2
Os padrões de recidiva apresentam variações significativas conforme o subtipo de cancro da mama. Os tumores triplo negativo e HER2 positivo exibem maior risco de recidiva, sobretudo nos primeiros 2 a 3 anos após o diagnóstico, enquanto o subtipo luminal RH+/HER2− mantém algum risco de recidivas tardias (até 10 anos ou mais), particularmente em casos com envolvimento ganglionar ou tumores de maior dimensão. Esta heterogeneidade biológica fundamenta a necessidade de individualizar as estratégias terapêuticas e de seguimento.3,4
A estratificação de risco integra fatores clínico-patológicos e, em casos selecionados, testes genómicos para refinar a decisão terapêutica.
Os testes genómicos avaliam a expressão de um conjunto de genes tumorais, fornecendo informações sobre o comportamento biológico do tumor. Esta análise pode ser importante para estimar o risco de recidiva e prever o benefício da quimioterapia adjuvante, permitindo uma decisão terapêutica mais individualizada.5
A abordagem terapêutica no cancro da mama precoce é assim adaptada ao risco, a saber:
⚫ Baixo risco:
Em tumores HR+/HER2− com baixo risco clínico-patológico e/ou genómico, a hormonoterapia isolada é, na maioria das vezes, eficaz, evitando a necessidade de quimioterapia adjuvante.
⚫ Risco intermédio a alto:
Nestes casos, são habitualmente necessárias estratégias terapêuticas mais intensivas, que podem incluir:
🌕 Quimioterapia neoadjuvante ou adjuvante:
A quimioterapia neoadjuvante é recomendada sobretudo em tumores HER2 positivos, triplo-negativos (TNBC) e também em alguns tumores luminais (HR+/HER2−) de estádio III, permitindo avaliar a resposta patológica e adaptar o tratamento subsequente.
A quimioterapia adjuvante é indicada em tumores HR+/HER2− de alto risco clínico ou genómico, bem como em doentes HER2+ e TNBC que não receberam terapêutica
neoadjuvante ou que não atingiram resposta patológica completa.
🌕 Hormonoterapia prolongada (até 10 anos):
Indicada em tumores luminais HR+ selecionados, com o objetivo de reduzir o risco de recidiva tardia (ensaios ATLAS e aTTom).6,7
🌕 Inibidores de CDK4/6 em associação à hormonoterapia:
Tanto abemaciclib como ribociclib estão aprovados pela EMA para utilização adjuvante em doentes HR+/HER2− com alto risco clínico-patológico (segundo critérios dos ensaios monarchE e NATALEE). O abemaciclib apresenta, até à data, dados mais robustos, com maior tempo de follow-up e benefício comprovado em sobrevivência global (OS).8.9
🌕 Inibidores da PARP em adjuvância:
O olaparib está indicado em doentes com mutações germinativas BRCA1/2 e cancro da mama de alto risco (particularmente TN ou HR+/HER2− de acordo com os critérios do ensaio OlympiA.), após terapêutica local e sistémica standard. O uso do olaparib demonstrou melhorias significativas na sobrevivência livre de doença invasiva (iDFS) e na sobrevivência global (OS).10
Em conclusão, uma estratificação de risco rigorosa no cancro da mama precoce permite personalizar a intensificação terapêutica, maximizando o benefício clínico em doentes de alto risco e minimizando o sobretratamento em doentes de baixo risco, contribuindo para decisões mais seguras e baseadas em evidência.
Esta é uma preocupação central nos cuidados dirigidos às mulheres com cancro da mama. Nesse sentido, a Sociedade Portuguesa de Senologia dedicou as suas últimas Jornadas Nacionais, realizadas nos dias 9 e 10 de outubro, ao tema: “Intensificar ou Reduzir o Tratamento do Cancro da Mama: a Arte de Cuidar”, reforçando a importância de equilibrar eficácia terapêutica e qualidade de vida na prática clínica diária.
Referências:
1. Tang DD, Ye ZJ, Liu WW, Wu J, Tan JY, Zhang Y, Xu Q, Xiang YB. Survival feature and trend of female breast cancer: A comprehensive review of survival analysis from cancer registration data. Breast. 2025;79:103862. doi: 10.1016/j.breast.2024.103862.
2. Sopik V, Lim D, Sun P, Narod SA. Prognosis after Local Recurrence in Patients with Early-Stage Breast Cancer Treated without Chemotherapy. Curr Oncol. 2023;30(4):3829-3844. doi: 10.3390/curroncol30040290.
3. Onkar SS, Carleton NM, Lucas PC, Bruno TC, Lee AV, Vignali DAA, Oesterreich S. The Great Immune Escape: Understanding the Divergent Immune Response in Breast Cancer Subtypes. Cancer Discov. 2023;13(1):23-40. doi: 10.1158/2159-8290.CD 22-0475.
4. Dogra AK, Prakash A, Gupta S, Gupta M. Prognostic Significance and Molecular Classification of Triple Negative Breast Cancer: A Systematic Review. Eur J Breast Health. 2025;21(2):101-114. doi: 10.4274/ejbh.galenos.2025.2024-10-2.
5. Cardoso, F. et al. (2016). 70-Gene Signature as an Aid to Treatment Decisions in Early-Stage Breast Cancer. New England Journal of Medicine, 375(8), 717–729. doi: 10.1056/NEJMoa1602253.
6. aTTom (Adjuvant Tamoxifen—To Offer More?) Trial Collaborators. Long-term effects of continuing adjuvant tamoxifen to 10 years versus stopping at 5 years after diagnosis of oestrogen receptor-positive breast cancer: ATTom, a randomised trial. The Lancet. 2013; 381(9869): 805–816. doi:10.1016/S0140-6736(12)61963-1
7. Davies, C., Pan, H., Godwin, J., et al.; for the Adjuvant Tamoxifen: Longer Against Shorter (ATLAS) Collaborative Group. Long-term effects of continuing adjuvant tamoxifen to 10 years versus stopping at 5 years after diagnosis of oestrogen receptor-positive breast cancer: ATLAS, a randomised trial. The Lancet. 2013; 381(9869): 805–816. doi:10.1016/S0140- 6736(12)61963-1
8. Johnston S.R.D. et al. Abemaciclib combined with endocrine therapy for the adjuvant treatment of HR+, HER2-, node-positive, high-risk, early breast cancer (monarchE). J. Clin. Oncol. 2020 Dec 1;38(34):3987–3998. doi:10.1200/JCO.20.02514.
9. Tutt A.N.J., Garber J.E., Kaufman B., Viale G., Fumagalli D., Rastogi P., et al. Adjuvant Olaparib for Patients with BRCA1- or BRCA2-Mutated Breast Cancer. N. Engl. J. Med. 2021;384:2394-2405. doi:10.1056/NEJMoa2105215.
10. Hortobágyi G.N., Lacko A., Sohn J., et al. A phase III trial of adjuvant ribociclib plus endocrine therapy versus endocrine therapy alone in patients with HR+/HER2- early breast cancer: final invasive disease-free survival results from the NATALEE trial. Ann. Oncol. 2024 or 2025;36(2):149–157. doi:10.1016/j.annonc.2024.10.015.


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